Essa pode ser a conversa que você provavelmente está tendo consigo mesmo há anos sobre TDAH.
Você está deitado na cama e sabe que tem tarefas importantes. Porém, simplesmente… não consegue começar.
Talvez você chegue na segunda-feira pensando “essa semana vai ser diferente” e, na sexta, você se vê no mesmo caos de sempre: prazos perdidos, coisas esquecidas, aquele sentimento de culpa que nunca morre.
E ali, naquele momento de autocrítica, você sussurra para si mesmo: “Sou tão preguiçoso” ou então “Nunca dou conta de nada“. Sua autoconfiança vai embora e você começa a ficar descrente de si mesmo.
Deixa eu ser absolutamente clara com você: você pode não ser preguiçoso. E se esse for o caso, você precisa deixar de culpar seu caráter e começar a questionar sua química cerebral.
Trabalho há anos com adultos que carregam essa etiqueta de “preguiçoso” como uma cicatriz emocional. Pois, são pessoas que construíram vidas inteiras ao redor dessa crença. E descobrir a verdade? Muda absolutamente tudo.
Quando não é preguiça: a verdade que ninguém te contou
Deixa eu ser bem direta: preguiça e TDAH são dois fenômenos completamente diferentes. E a maioria das pessoas confunde os dois porque o resultado final parece o mesmo.
Preguiça é uma escolha. É você sabendo que precisa acordar para o trabalho, mas escolhendo ficar mais 15 minutos na cama porque é confortável. Por isso, gosto de dizer que é uma preferência momentânea.
Agora, o TDAH é uma condição neurobiológica. Pois, é o seu cérebro funcionando com um sistema de motivação diferente. Não é que você não quer. É que o sistema de recompensa do seu cérebro está literalmente funcionando em outro ritmo.
Sabe aquele amigo que simplesmente “arruma a casa” no fim de semana? E você que consegue passar 3 meses vendo roupa jogada no chão? Você não é mais preguiçoso que ele. Vocês têm sistemas de motivação diferentes.
E entender isso, muda tudo na sua vida.
Dopamina, motivação e por que você funciona diferente
Imagine seu cérebro como um sistema de recompensa. Para fazer qualquer coisa, desde sair da cama até terminar um projeto importante, seu cérebro precisa de um “combustível” chamado dopamina.
A maioria das pessoas tem um tanque de dopamina razoável. Quando fazem algo produtivo, ganham pontos de dopamina. Elas se sentem bem e ficam motivadas para continuar.
Agora imagine fazer tudo isso com o tanque de dopamina na metade (ou até vazio).
Não é que você seja mais fraco ou que não queira fazer. É que, do ponto de vista do seu cérebro, fazer a tarefa não oferece dopamina suficiente para disparar a motivação.
É como pedir para alguém ficar entusiasmado com um prêmio de R$0,50 quando todo mundo ao redor está entusiasmado com R$50. Portanto, não é uma preguiça. É entender que o sistema de recompensa está operando com padrões diferentes.
Por isso colocar mais “força de vontade” não funciona. É como forçar os olhos a enxergar melhor usando óculos com graduação errada. Você não está sendo fraco, está apenas trabalhando com ferramentas que não funcionam para seu cérebro.
Os padrões que revelam TDAH (e o que você provavelmente reconhece em si)
Se você está aqui lendo isso, talvez reconheça alguns desses padrões. Porque TDAH tem uma linguagem muito específica. E se você souber o que procurar, fica claro.
Padrão 1: Você consegue fazer quando quer, mas demora uma eternidade para começar
Aquele projeto importante que você precisa fazer. Você SABE que consegue. Você SABE que levaria 3 horas para terminar. Mas antes de começar o que você faz? Você arruma a mesa, toma água, verifica o email, rola o Instagram, pensa em fazer exercício (mas não faz), limpa a geladeira e até conversa com o cachorro.
Você faz tudo, menos começar.
E depois, quando finalmente começa, geralmente porque o prazo está perto, você consegue fazer em 2 horas.
Uma pessoa preguiçosa? Simplesmente não faria em nenhum momento. Ponto. Terminaria a semana sem tocar no projeto.
Você? Você consegue fazer. Mas o “botão de início” exige uma quantidade de dopamina que você não tem mobilizado ainda. E isso é importante você reconhecer.
Padrão 2: Sob pressão você é super-herói. Sem pressão você desaba.
Aqui está o mais louco. Você deu a si mesmo 3 semanas para fazer algo. Você não fez em 3 semanas. Mas no dia anterior ao deadline, quando aquela adrenalina sobe?
De repente você consegue. Você faz em 6 horas o que “não conseguia fazer” em 3 semanas.
Por que? Porque adrenalina ativa o que dopamina não consegue. Aquela urgência dispara neurotransmissores que “ligam” o seu cérebro.
Uma pessoa preguiçosa não funciona assim. Pois, alguém que é preguiçoso continua preguiçoso, independente de pressão que é colocada.
Você? Você descobre que consegue fazer TUDO quando há um prazo real. E isso é exaustivo. Porque você está vivendo em modo de crise permanente. Aquele sentimento de sobrevivência.
Padrão 3: Você é incrivelmente desorganizado. E sabe que é.
Aquele celular que está em algum lugar que você não sabe, aqueles prazos que você esquece ou aqueles compromissos que você marca e depois não lembra.
Não é que você não QUER ser organizado. É que manter um sistema de organização ativo exige dopamina constante. E quando sua dopamina está em “vazio”, aquela lista que você fez desaparece da sua memória.
Uma pessoa preguiçosa seria preguiçosa sobre tudo. Mas você é incrivelmente organizado sobre as coisas que te interessam. Mas a sua vida diária é um caos.
Padrão 4: Você tem hiperfoco que parece sobrenatural
Aquela coisa que você ama? Aquele hobby, projeto ou interesse? Você consegue ficar 8 horas fazendo sem parar. Esquece de comer, esquece de ir ao banheiro e perde noção do tempo.
Mas aquela coisa que você NÃO ama? Aquela você não consegue fazer por 20 minutos seguidos.
E isso não é preguiça. Isso é dopamina disparando quando há algo interessante e desaparecendo quando não há.
Padrão 5: Você é impulsivo. E depois se arrepende.
Aquela coisa que você disse sem pensar, a decisão que você tomou sem analisar ou a compra que você fez quando estava chateado.
Você não está sendo irresponsável. Seu cérebro não está processando as consequências porque a recompensa imediata (dopamina) estava muito alta.
Uma pessoa preguiçosa seria passiva, já você é impulsivo. Posso dizer que você é a pessoa que pula antes de pensar.
Por que TDAH parece preguiça (e por que você acreditou nisso a vida inteira)
Aqui está o problema: preguiça e TDAH têm o mesmo resultado visível, mas causas completamente diferentes.
Você não fez o projeto. A pessoa preguiçosa também não fez. De fora, parecem iguais, pois para a maioria das pessoas são os resultados que falam e não a causa dos resultados.
Mas é como dois carros estragados numa estrada:
- Um não anda porque o motor está ruim (TDAH)
- O outro não anda porque o motorista não quer dirigir (preguiça)
Quando você vê os dois ali parados, parecem iguais. Mas a solução para cada um é completamente diferente.
Se você tentar “motivar” o motor quebrado, ele não vai funcionar.
E é aqui que você passou anos se culpando.
Porque ninguém, nem a escola, a família ou os amigos questionaram se talvez você funcionasse diferente. Todos assumiram que era fraqueza de caráter.
E você acreditou.
A verdade que as escolas não ensinaram (e que você carrega até hoje)
Você cresceu ouvindo: “Você é inteligente, mas não se esforça o suficiente“.
Ou: “Se você quisesse, você conseguia“.
Ou aquela frase que mais dói: “Falta só você querer“.
E lentamente, dia após dia, ano após ano, você internalizou uma crença fundamental: “Sou fraco. Sou preguiçoso. Tem algo de errado comigo”.
Essa crença é tóxica. Porque ela significa que cada vez que você falha, é falha de caráter. Cada vez que você não consegue fazer, é porque você não é bom o suficiente.
Deixa eu ser clara: não era fraqueza de caráter. Era seu cérebro pedindo ajuda de um jeito que ninguém sabia reconhecer.
E sabe o que é ainda mais difícil? Você provavelmente construiu toda uma vida ao redor dessa crença. Possivelmente escolheu carreiras “seguras” em vez de arriscar ou aceitou menos do que merecia porque “bem, não sou tão capaz mesmo”.
Possivelmente está lendo isso agora aos 30, 40, 50 anos e pensando: “Por quanto tempo eu vivi com essa mentira?” E aqui no consultório o que mais aparecem são pessoas que acabo diagnosticando com TDAH e que jamais tinha ideia de como funcionavam.
O que REALMENTE acontece no seu cérebro
Deixa eu traduzir a neurociência para algo que faça sentido.
Seu cérebro tem uma área chamada córtex pré-frontal. Ela é como o “gerente executivo” da sua vida. Toma decisões, planeja, controla impulsos, mantém as coisas organizadas e diz “não” às coisas que você quer fazer mas sabe que não pode.
No TDAH, esse gerente está frequentemente fazendo seu trabalho de forma lenta. Não porque está em férias ou porque desistiu. Mas porque está operando com muito menos “bateria” de dopamina.
É como tentar trabalhar o dia inteiro com sono. Você consegue? Sim. Mas é exaustivo. Você comete mais erros. Você é mais lento. E quanto mais alguém grita com você para “acordar”, menos consegue acordar.
Quando você toma uma medicação estimulante (se for indicada), você não está sendo “dopado” para ser mais feliz. Você está recebendo um “café” para aquele gerente fazer o trabalho que ele deveria estar fazendo.
De repente, as coisas fazem sentido. Dessa forma você consegue começar, manter e terminar suas atividades.
Não porque você finalmente “acordou para a vida”. Mas porque o seu cérebro agora tem as ferramentas que precisa.
O sofrimento silencioso que ninguém vê
Aqui está a coisa que mais me dói como profissional: diagnóstico tardio de TDAH é negligência de saúde mental.
Não negligência culpada. Mas negligência que vem de não sabermos. De acreditarmos na mentira de que éramos “preguiçosos” ou “não nos esforçávamos o suficiente”. Por isso que sempre falo com meus pacientes e seus familiares sobre a psicoeducação. Entender é princípio para ajustar a vida.
Veja só, quantos anos você passou sofrendo em silêncio? Quantas oportunidades você não aproveitou porque tinha medo de falhar novamente? Ou então, quantas relações você sabotou porque não conseguia manter compromissos?
Quantas vezes você acordou pensando “dessa vez vai ser diferente” e dormiu sabendo que falhou novamente?
E durante todo esse tempo, a única coisa que faltava era um diagnóstico correto.
Uma conversa com um profissional que dissesse: “Não, você não é fraco. Seu cérebro funciona diferente“.
Mudando a história que você contava sobre si mesmo
Aqui está a coisa mais libertadora sobre entender que TDAH não é preguiça: você deixa de tentar “consertar” uma pessoa fraca e passa a oferecer ferramentas certas a um cérebro que funciona diferente.
E quando você oferece as ferramentas certas? Coisas incríveis acontecem.
- O “caos” que você carregava pode se transformar em organização com um sistema visual (não com culpa).
- Aquele “não consigo começar” desaparece quando você tem estruturas que trabalham com seu cérebro (não contra ele).
- A “impulsividade” que você vê como fraqueza? Pode se transformar em criatividade, em capacidade de tomar riscos calculados, em energia para empreender.
- O “hiperfoco” que você vê como obsessão? Pode ser seu superpoder quando direcionado.
E mais importante: você deixa de carregar a crença de que tem algo de errado com seu caráter.
Porque nunca teve.
Nunca.
A conversa com você mesmo que você deveria ter tido há anos
Se você está reconhecendo a si mesmo neste texto, se você está vendo seus próprios padrões aqui, eu preciso que você saiba algo:
Você não é preguiçoso, não é fraco e nem é incapaz.
Você é apenas alguém cujo cérebro funciona com um sistema de dopamina diferente. E diferentes não significa quebrado.
Significa que você precisará de ferramentas diferentes. Que você precisará entender como seu cérebro funciona. Que você precisará, possivelmente, de suporte profissional.
Mas você pode e consegue. Aliás, você sempre conseguiu, só que com as ferramentas erradas.
O que você pode fazer agora
Se você reconheceu a si mesmo aqui, aqui estão seus próximos passos:
Primeiro: tire a culpa da mesa
Você não é preguiçoso, não é fraco ou não “não se esforça o suficiente”.
Seu cérebro funciona diferente. Ponto. Isso não é julgamento. É fato neurobiológico. E eu gosto de reforçar isso.
Deixe isso repousar por um momento. Porque essa mudança de perspectiva é libertadora.
Segundo: observe seus próprios padrões
Você reconheceu os 5 padrões em si? Pense:
- Como é seu “início”?
- Como você funciona sob pressão?
- Qual é seu nível de organização em vida diária?
- Onde você tem hiperfoco?
- Como é sua impulsividade?
Anote, pois esses padrões importam.
Terceiro: procure um profissional competente
Psiquiatra, psicólogo comportamental, neurologista, alguém que entenda que TDAH em adultos é uma condição neurobiológica real. Não alguém que vai dizer “você só precisa se esforçar mais”.
Um diagnóstico correto muda vidas. Especialmente vidas de adultos que passaram 20, 30, 40 anos acreditando que eram fracos.
Quarto: Entenda que não é tudo ou nada
TDAH existe num espectro. Pode ser que você tenha alguns padrões, que você tenha todos. Além disso, pode ser que o diagnóstico seja TDAH, talvez seja outra coisa ou pode ser que seja vários fatores juntos.
Mas a conversa precisa acontecer. Com um profissional e com você mesmo.
Agende sua consulta
Se você reconheceu algo dessa conversa em si mesmo, se você finalmente está começando a questionar se talvez você não seja “preguiçoso” mas sim alguém funcionando com ferramentas erradas, eu estou à disposição, caso me escolha como sua psiquiatra. Tenho orgulho de ver a evolução de meus pacientes e quero ver a sua também.
Aqui no consultório criamos estratégias que funcionam!