Você já parou para pensar que talvez o problema não seja sua “falta de organização”, mas sim que ninguém nunca te ensinou a organizar de acordo com o jeito que seu cérebro funciona? Durante anos, pessoas com TDAH tentam se encaixar em sistemas organizacionais criados para cérebros neurotípicos e, inevitavelmente, se sentem fracassadas quando esses métodos não funcionam.
Aqui está uma verdade que preciso compartilhar: a organização para quem tem TDAH não é sobre ter uma casa que parece revista de decoração. É sobre criar sistemas e ambientes que trabalhem a favor das suas características neurológicas, não contra elas. Aliás, quando você entende como usar a organização e o design como ferramentas terapêuticas, sua vida pode se transformar completamente.
Vejo diariamente no meu consultório pessoas que chegam exaustas de lutar contra sua própria natureza. Elas me dizem: “Doutora, eu tento me organizar, mas sempre acabo bagunçando tudo de novo“. Então, quando explico que o problema não é a falta de força de vontade, mas sim a falta de estratégias adequadas ao TDAH, é como se um peso saísse dos seus ombros.
Pessoas com TDAH apresentam dificuldades significativas nas funções executivas, incluindo organização e planejamento. Contudo, isso não significa que você está condenado ao caos. Significa que você precisa de abordagens diferentes, mais criativas e personalizadas.
Dessa forma, neste texto abordaremos como a organização pode se tornar sua maior aliada no gerenciamento do TDAH, exploraremos a importância do design de ambientes e apresentaremos insights valiosos de especialistas em arquitetura. Você descobrirá como transformar seu espaço em um verdadeiro suporte para sua mente única.
A importância da organização para o TDAH
Para compreender por que a organização é tão crucial para quem tem TDAH, precisamos entender como nosso cérebro processa informações. Pessoas com TDAH têm maior sensibilidade a estímulos externos como sons, luzes, texturas, cores e até mesmo a disposição dos objetos no ambiente podem impactar diretamente nossa capacidade de concentração.
Imagine seu cérebro como um radar super sensível que capta todos os sinais ao redor. Por isso, enquanto uma pessoa neurotípica consegue filtrar automaticamente a maioria desses estímulos, seu cérebro com TDAH processa tudo simultaneamente. Assim, um ambiente desorganizado não é apenas “feio”, é literalmente uma sobrecarga sensorial constante.
Quando meus pacientes organizam seus ambientes de forma estratégica, relatam melhora imediata na capacidade de foco, redução da ansiedade e maior sensação de controle sobre suas vidas. O ambiente externo organizado funciona como um espelho para a organização mental interna.
Construindo um ambiente ideal para uma pessoa com TDAH
Para explorar mais profundamente como criar ambientes que realmente funcionem para pessoas com TDAH, conversei com a arquiteta Juliane Jacintho e a designer de interiores Daniela Bueno, do Studio Trino, um experiente studio de arquitetura, design e feng shui aqui de Jundiaí.

Pergunta 1:
A pessoa com TDAH é muito sensível a estímulos externos como luzes, sons e barulhos. Tudo isso pode prejudicar a atenção e foco. Como podemos criar ambientes que ajudem a focar, relaxar e tirem a sensação de sobrecarga?
Studio Trino: Quando usamos tons claros e que acolhem como verde, azul, amarelo neutro criamos uma atmosfera que remete a natureza, logo esses ambientes vão acalmar. A iluminação sendo um ponto sensível a quem tem TDAH precisa ser estudada de maneira funcional, sendo possível ter uma luz mais baixa e em tom quente para que crie um descanso aos olhos e ao mesmo tempo ser um ambiente que deixa a pessoa mais confortável.
Outro detalhe importante é ter organização nesses ambientes, e procurar sempre setorizar as áreas e itens presentes no ambiente para facilitar o visual de uso, sendo assim, exatamente importante não carregar demais um ambiente, com muitas informações, objetos e estímulos.
Pergunta 2:
Uma pessoa com TDAH precisa de foco e relaxamento. Existem cores, texturas e formas que as pessoas com TDAH precisam evitar em seus ambientes? Há diferenças entre residência e escritório?
Studio Trino: Sim, evitar usar cores muito fortes, estampas, texturas, forma que gerem uma “poluição visual”. Tanto em uma residência quanto escritório, os princípios são os mesmos. A diferença é que em um escritório onde a atenção precisa estar redobrado, o uso de tons mais vibrantes podem ser bem-vindos de maneira estratégica, ou seja, destacando algo importante para o trabalho, gerando um auxílio para atenção.
Pergunta 3:
Além de ajudar a organizar e focar, como o design de um espaço pode dar suporte emocional para quem tem TDAH? Como criar um “refúgio” ou um lugar que ajude a pessoa a se acalmar e se sentir segura?
Studio Trino: Pensando sempre na base natureza para acalmar, relaxar e acolher. Plantas trazem um bem estar para quem tem TDHA e melhora a saúde do ambiente. Aromaterapia ajuda com os aromas mais calmantes, organização, painéis visuais para ajudar a lembrar de itens importantes, criar espaços que durante o dia possa ser usado por alguns minutos para pausas necessárias. Ter ambientes que sejam isolantes acústicos ajudam muito, trabalhando a própria acústica do local com materiais específicos, e também ao usar tecidos, tapetes, cortinas que acolham e também isolem os barulhos externos.
Pergunta 4:
Pessoas com TDAH podem se beneficiar de ter diferentes “estações” ou “zonas” para diferentes atividades (como um canto para leitura, um espaço para foco intenso, ou um lugar para relaxar). Quais são as dicas para criar esses fluxos e divisões no ambiente para que a pessoa possa transitar entre diferentes estados mentais e tarefas? Talvez, no mesmo lugar.
Studio Trino: Saber equilibrar todas as ferramentas de bem-estar em um único ambiente pode ajudar. Algo mais rápido e simples de ser usado é a questão das cores corretas, organização e iluminação mais quente para provocar uma atmosfera acolhedora.
Pergunta 5:
Projetar um ambiente ideal é um passo, mas mantê-lo organizado e funcional no dia a dia pode ser um desafio para quem tem TDAH. Que tipo de estratégias ou elementos de design vocês incorporam para ajudar na manutenção da organização a longo prazo e no uso prático do espaço pelas pessoas?
Studio Trino: Usar painéis interativos com lembretes importantes, caixas organizadoras, móveis funcionais e sem muitas informações visuais que possam atrapalhar o ambiente físico, destinar pequenos espaços com função como por exemplo, um local na entrada que deixe as chaves e itens que são fáceis de perder ou esquecer. Pequenos gestos de lembretes do dia a dia podem ajudar a manter um espaço mais prático para quem tem TDHA.
O microgerenciamento para TDAH
Depois de criar o ambiente ideal, precisamos falar sobre microgerenciamento. Porém, não no sentido negativo da palavra, mas como uma estratégia consciente de organização detalhada que funciona especificamente para cérebros com TDAH.
O microgerenciamento para TDAH significa criar sistemas tão específicos e detalhados que eliminam a necessidade de tomar decisões desnecessárias ao longo do dia. Por exemplo, em vez de simplesmente ter uma “gaveta de documentos”, você tem gavetas específicas para “contas a pagar”, “documentos médicos”, “garantias de produtos” e assim por diante.
Aqui na clínica, ensino meus pacientes a pensarem em “economia cognitiva“. Cada decisão que você precisa tomar durante o dia consome energia mental preciosa. Quando você microgerencia seu ambiente, libera essa energia para tarefas que realmente importam.
Além disso, o microgerenciamento inclui criar rituais específicos para manter a organização. Não basta organizar uma vez, você precisa de sistemas que tornem a manutenção da organização automática e sem esforço. Isso pode incluir alarmes no celular para “reset” do ambiente, caixas específicas para itens temporários ou até mesmo códigos de cores para diferentes categorias de objetos.
Por isso, podemos afirmar que o microgerenciamento bem planejado reduz significativamente a carga cognitiva diária e aumenta a sensação de controle e competência.
Estratégias práticas de organização para TDAH
Vamos às estratégias específicas que podem revolucionar sua relação com a organização. Cada uma dessas técnicas foi desenvolvida considerando as características únicas do cérebro com TDAH.
Sistema de “um lugar para cada coisa”
Diferentemente da organização tradicional, para TDAH cada objeto precisa ter não apenas um lugar, mas um lugar lógico e intuitivo. Suas chaves devem ficar sempre no mesmo local próximo à porta, seus medicamentos em um organizador visível, seus documentos importantes em pastas claramente identificadas.
O segredo é que esse “lugar” precisa fazer sentido para seu cérebro específico. Se você sempre tira os sapatos na sala, não adianta colocar o sapateiro no quarto – coloque-o na sala, onde você naturalmente os remove.
Organização visual
Pessoas com TDAH são frequentemente aprendizes visuais. Portanto, sistemas de organização que dependem apenas da memória raramente funcionam. Use etiquetas, códigos de cores, caixas transparentes e qualquer recurso visual que torne a organização óbvia e imediata.
Vejo isso constantemente: quando meus pacientes implementam sistemas visuais de organização, a manutenção se torna muito mais natural e sustentável.
Regra dos “5 minutos”
Estabeleça o hábito de dedicar 5 minutos ao final de cada dia para “resetar” seu ambiente principal. Não é uma limpeza profunda, apenas retornar os itens aos seus lugares designados. Esses 5 minutos previnem que pequenas desordens se transformem em caos total.
Zonas de transição
Crie “zonas de transição” em sua casa. Espaços específicos onde você pode temporariamente colocar itens que precisam ser organizados depois. Isso evita que você simplesmente jogue coisas em qualquer lugar quando está com pressa.
Além disso, essa dica também vale para as pastas e arquivos em seu computador!
A vida com TDAH pode ser boa
Quero encerrar com uma mensagem que gosto de deixar em todos os textos: ter TDAH não é uma sentença de vida desorganizada e caótica. Na verdade, quando você aprende a trabalhar com suas características neurológicas, pode desenvolver sistemas de organização mais eficientes e criativos do que muitas pessoas neurotípicas.
Muitos dos meus pacientes descobrem que, uma vez que dominam a arte da organização adaptada ao TDAH, se tornam exemplos de eficiência e produtividade. Eles desenvolvem uma consciência espacial e sistemas de gerenciamento que impressionam familiares e colegas.
Sua mente criativa e sua capacidade de pensar fora da caixa são vantagens reais quando aplicadas à organização. Você pode criar soluções inovadoras para problemas organizacionais que pessoas com pensamento mais linear nunca considerariam.
Além disso, o processo de criar e manter sistemas organizacionais pode ser profundamente terapêutico. Cada gaveta organizada, cada sistema que funciona, cada ambiente que oferece paz em vez de sobrecarga é uma vitória que fortalece sua autoestima e senso de competência.
Lembre-se: organização não é sobre perfeição, é sobre funcionalidade. Não é sobre impressionar os outros, é sobre criar um ambiente que apoie sua mente única e permita que você brilhe em todo seu potencial.
Portanto, seja paciente consigo mesmo enquanto desenvolve esses novos hábitos. Experimente diferentes estratégias, adapte as sugestões às suas necessidades específicas e celebre cada pequeno progresso. Sua jornada rumo a uma vida mais organizada e funcional é também uma jornada de autoconhecimento e empoderamento.
Com as ferramentas certas e a mentalidade adequada, você pode transformar a organização de um desafio constante em uma de suas maiores forças. Sua vida com TDAH não apenas pode ser boa, pode ser extraordinária.